Representatividade e fantasia nos livros infantis: entrevista com Rafael Calça

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Certamente já ouvimos dizer que os livros são janelas do mundo, pois é por meio deles que podemos aprender mais sobre o universo que nos cerca. A partir disso, conseguimos compreender a importância da leitura para crianças, desde os primeiros anos de desenvolvimento até a vida adulta. Em meio a uma sociedade cada vez mais diversa e plural, vale refletir: como podemos fortalecer a representatividade nos livros infantis de forma que os pequenos leitores se vejam como protagonistas nas histórias e na vida?

Nessa jornada, outras questões podem vir à tona, tais como: qual a melhor maneira de utilizar o universo lúdico para falar sobre temas como as emoções, a amizade e a sustentabilidade? Como incentivar a leitura na infância em um cotidiano cada vez mais digital? Ou até mesmo, como iniciar a leitura em família?

Esses e outros questionamentos foram respondidos pelo roteirista, ilustrador e escritor Rafael Calça, que ganhou em 2019 o maior prêmio de literatura do país, o Prêmio Jabuti, com a graphic novel “Jeremias – Pele” da Graphic MSP.

Agora, junto à Dentro da História, ele acaba de lançar os livros “O Dragão da Lua” e “A Visita das Fadas”. Ambos são livros personalizados em que a criança viaja para um universo cheio de fantasias. Enquanto explora esse universo mágico, o protagonista aprende de forma lúdica sobre como lidar com o medo e também a importância da sustentabilidade.

Confira o que o autor compartilhou sobre sua trajetória e sua visão sobre a fantasia e a representatividade  nos livros infantis:

Dentro da História: Além de autor de livros infantis, você também é ilustrador e roteirista de histórias em quadrinhos. Como surgiu o seu interesse pelo universo das histórias? Conte-nos um pouco da sua trajetória.

Rafael Calça: Tive a sorte de crescer com uma tia professora de gramática e literatura, que sempre me supriu de livros e quadrinhos. E contar histórias, ou pelo menos tentar, era algo que sempre gostei. Escrevia em cadernos e em uma máquina de escrever, por não poder ter um computador. E com 17 anos comecei a estudar na Quanta Academia de Artes, onde entrei querendo ser apenas ilustrador, mas acabei mais incentivado ainda a escrever. Essa base foi fundamental para que eu entrasse no mercado editorial desenhando, e em 2015 fui um dos contemplados em um edital para publicação de uma HQ, que escrevi. A partir daí a carreira de roteirista começou. 

DDH: Em 2019 você foi vencedor do Prêmio Jabuti, o maior prêmio literário brasileiro, como roteirista da graphic novel “Jeremias – Pele”, da Mauricio de Sousa Produções. Nela, o primeiro personagem negro da Turma da Mônica finalmente se torna protagonista. Como você vê a questão da representatividade nos quadrinhos e nos livros?

Rafael: As histórias têm um poder impressionante. Todo tipo de preconceito só existe até hoje por conta disso. Foram repetidos constantemente, reforçando estereótipos e conceitos errados por séculos, em mídias diferentes. Normalizou todo tipo de comportamento sórdido e  violento, além do lugar de não pertencimento a pessoas negras, indígenas, mulheres, lgbt… Então é de máxima importância que narrativas inclusivas e cheias de respeito sejam produzidas e cheguem ao maior número de pessoas, para que todos possamos nos sentir parte do mundo, e felizes. Histórias são como janelas do mundo. Ao olhar para um mundo diferente do seu com carinho, esse sentimento desperta em você. 

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DDH: Há diferenças entre escrever um livro infantil e um roteiro de história em quadrinhos? Conte-nos um pouco sobre sua experiência criando os livros personalizados “O Dragão da Lua” e “A Visita das Fadas”.

Livro personalizado escrito por Rafael Calça: O Dragão da Lua

Rafael: São narrativas diferentes sim. Igualmente gostosas de fazer, mas com livros personalizados a ideia principal é deixar o/a protagonista um tanto em aberto, para a criança se visualizar ali, sentir que faz parte daquela aventura. A imersão na história será maior, e isso é tão interessante de poder proporcionar.  E para isso me debrucei em pesquisas que trouxessem seres fantásticos com elementos um pouco diferentes dos que geralmente se veem. Até para dar um gosto novo ao adulto que lerá o livro com a criança. Como são livros de formação, é ideal que tragam valores bons, mas eles também podem ser divertidos. 

DDH: Os dois livros personalizados levam as crianças para um universo repleto de fantasia. Para você, qual a importância de histórias fantásticas como essas?

Rafael: A fantasia sempre foi uma forma de falarmos do mundo real de uma forma lúdica. E isso faz um bem enorme para a criança, que aprende não apenas como ser uma pessoa melhor, mas também pensamento abstrato. Compreender mais do que o texto informa diretamente é importante não só de forma acadêmica, mas também para a inteligência emocional. 

DDH: No livro “O Dragão da Lua”, você aborda o medo de uma forma lúdica e sensível. Como o Dragão e os outros personagens ajudam a criança a compreender esse sentimento?

Rafael: Acho importante, crianças e adultos, saberem que todos temos medos. Que todos somos inseguros de alguma forma, que ninguém está livre disso. Como não conhecemos o outro de forma completa, muitas vezes idealizamos que tal pessoa é muito melhor resolvida, e isso não é verdadeiro. Só nos traz para um lugar solitário. Quanto antes soubermos disso, melhor. 

DDH: Já em “A Visita das Fadas”, a mensagem principal é de sustentabilidade. As fadas são seres tradicionalmente ligados à natureza, mas no livro, cada uma tem suas próprias características, com aparências diferentes das fadas que costumamos ver nas histórias. Por que foi feita essa escolha?

A Visita das Fadas: um livro infantil sobre cuidados com o meio ambiente

Rafael: Imaginei como seria bom mostrar que cada elemento da natureza tem seu papel, e todos se completam. Mas as pessoas têm uma função a cumprir também, de respeito, de preservação. Somos parte do mesmo mundo, da mesma essência, e quando há desequilíbrio todos se prejudicam. 

DDH: Que dica você daria para as famílias que têm crianças apaixonadas pelo mundo das histórias e que sonham em fazer parte dele, não só como personagens de livros personalizados, mas também criando e contando histórias como você?

Rafael: Primeiro, leiam histórias para seus pequenos. Escolham livros com personagens interessantes e diversos, narrando com paixão. E tratem os livros e quadrinhos como brinquedos, porque é o que são. Deixem no chão, à mão. Comprem livros de presente. Conversem sobre as histórias, saber o que a criança aprendeu. Serão conversas ótimas, de estimular a imaginação. Sem esquecer dos filmes, das peças de teatro, alimentem a criança com a magia das histórias. Isso não apenas irá aumentar o vocabulário, irá enriquecê-la com empatia a respeito a outras vivências e emoções. Escrever é estar de coração e mente aberta, e essa construção começa logo cedo.


Rafael Calça é roteirista de histórias em quadrinhos e animação, além de ilustrador editorial e storyboarder de publicidade. Seu trabalho de maior destaque é o roteiro da Graphic Novel Jeremias – Pele, em que junto de Jefferson Costa recriou o personagem de Maurício de Sousa em uma HQ sobre racismo na infância, tendo recebido o reconhecimento de público e crítica, além do prestigiado Prêmio Jabuti.

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