Medo e imaginação no livro infantil: entrevista com Maria Amália Camargo

A escritora Maria Amália Camargo fala sobre seu novo lançamento, e como livros infantis podem nos conectar com sentimentos através da imaginação.
Entrevista com a autora Maria Amália Camargo
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A escritora Maria Amália Camargo fala sobre seu novo lançamento, e como livros infantis podem nos conectar com sentimentos através da imaginação.

Todo mundo se lembra de alguma história que dava medo na infância. Pode ser por causa do lobo mau, da bruxa, do vilão malvado… Os contos de fadas e livros infantis muitas vezes trazem elementos que despertam esse sentimento, e a importância disso vai bem além do que imaginamos: vivenciar emoções como o medo através das histórias é uma experiência que nos fortalece para lidar com situações da vida real.

Mas nem só lobos e bruxas nos assustam. Muitas vezes, o medo vem de lugares muito menos óbvios. Às vezes, ele é fruto de coisas que imaginamos – e esse é o tema do novo livro personalizado Uma Amizade Assustadora, da autora Maria Amália Camargo, coeditado em parceria pela Dentro da História e a FTD Educação

Na história, a criança protagonista precisará enfrentar o medo que tem do “monstro do quintal”, um grande cacto, quando um dos seus brinquedos favoritos vai parar no pé dessa criatura tão temida. Segundo a autora, que já tem mais de 20 livros publicados, os personagens do livro refletem a capacidade de imaginação das crianças, e ensinam lições importantes sobre o medo e como aprender a lidar com ele.

Livro Personalizado Uma Amizade Assustadora

Na história, a criança protagonista precisará enfrentar o medo que tem do “monstro do quintal”, um grande cacto, quando um dos seus brinquedos favoritos vai parar no pé dessa criatura tão temida. Segundo a autora, que já tem mais de 20 livros publicados, os personagens do livro refletem a capacidade de imaginação das crianças, e ensinam lições importantes sobre o medo e como aprender a lidar com ele.

Veja o que mais Maria Amália compartilhou sobre o novo livro, e sobre como a literatura infantil nos conecta a sentimentos e habilidades importantes como o medo e a imaginação:  

Dentro da História: Como surgiu a ideia para a história do livro “Uma Amizade Assustadora”?

Maria Amália Camargo: Xi, essa história é mais comprida do que a do próprio livro. Eu adoro fazer listas, tanto que o meu primeiro livro, Laranja-pera, couve manteiga começou assim, com uma lista de comidas de nomes curiosos.

Antes de começar a escrever Uma Amizade Assustadora criei um rol de “coisas que espetam”. Surgiu cama de pregos de faquir, alfinete, etiqueta de roupa, porco-espinho, ouriço de castanha-portuguesa, cacto… Quando dei por mim o cacto já havia tomado conta do pedaço e se transformado em personagem – não é difícil disso acontecer, um personagem fugir do controle e ganhar vida. Faltava então uma companhia para contracenar com ele, um vegetal de aparência tão ou mais esquisita. Daí surgiu a planta carnívora.

Desde muito pequena sempre morri de medo de lagartixa (até hoje não entendo o porquê). Meus pais viam uma criança, a-lu-ci-na-da, gritando pela casa e tentavam me acalmar dizendo que a bichinha estava ainda mais assustada do que eu. Acho que por conta disso quis elaborar um texto onde quem provoca o susto e o assustado compartilham dos mesmos sentimentos de pânico.

DDH: O livro é repleto de personagens curiosos, como plantas e animais que falam e demonstram seus próprios sentimentos. De que forma eles refletem a capacidade de imaginação das crianças?

Maria Amália: O autor tem o privilégio de dar vida a tudo o que existe e a tudo o que ainda nem foi inventado. Essa é a principal ferramenta para mostrar aos leitores, especialmente às crianças, a infinidade de mundos a serem explorados. Quantos mundos moram dentro de um quintal, de uma praça ou de um parque? Os primeiros exemplos que vêm à cabeça são a fauna, a flora, as brincadeiras passadas de pais para filhos…

A criança tem a massa do bolo pronta. Cabe ao adulto acrescentar o fermento. É do pai ou do professor a responsabilidade de fornecer os elementos para alimentar essa imaginação prestes a entrar em erupção. Quanto mais estímulo externo ela tiver, maior será sua capacidade de criar, de se soltar e de voar. A partir daí, a criança consegue enxergar qualquer objeto como protagonista e atribuir a ele uma personalidade.

DDH:  A história fala sobre o medo. Qual a importância dos livros para ajudar as crianças a lidarem com os sentimentos?

Maria Amália: Uma das principais funções da literatura infantil é oferecer à criança a capacidade de identificar sentimentos e situações pelas quais já passou ou que ainda vai vivenciar. A literatura infantil procura trazer reflexão, mas também conforto, acolhimento ao leitor, diferente da literatura adulta que, muitas vezes, tem a intenção de provocar.

Todo mundo se sente constrangido de admitir seus medos ou outras emoções não tão nobres como a raiva, a tristeza, o ciúme… As histórias para crianças dão as chaves para reconhecer esses sentimentos, para não sentir vergonha ou incômodo de expressá-los e, sobretudo, para conviver com esse amontoado de sensações.

Uma Amizade Assustadora pretende mostrar o medo como algo inerente a todos os seres vivos. Afinal, tanto o cacto quanto a planta carnívora – causadores do temor no leitor-personagem – também estão passando por conflitos onde precisam enfrentar seus monstrinhos internos que acabam por paralisá-los.

Livro Dentro da História e FTD - Uma Amizade Assustadora
Livro Personalizado: Uma Amizade Assustadora, de Maria Amália Camargo

DDH: No livro, assim como na vida, às vezes os medos são frutos da nossa imaginação. Quais medos típicos da infância aparecem na história e de que maneiras eles foram retratados?

Maria Amália: Quando estamos diante do desconhecido a tendência é sempre superdimensionar a situação ou à criatura que nos provoca medo. É o que o leitor-personagem faz em relação ao cacto ou à planta carnívora: difícil não associar a aparência deles (um cheio de espinhos e, a outra, cheia de dentes) a um temperamento hostil.

Na história tentei abordar, além do medo desse desconhecido, o desamparo ao ficar separado do brinquedo preferido – ou de alguém muito querido – o medo de dentista, de injeção… E aí, no mesmo pacote, vem o medo do escuro, de monstro debaixo da cama, de careta, de levar bronca…

DDH: Você acredita que a personalização contribui para a identificação da criança com as situações vividas na história? Isso influencia de alguma forma a sua escrita?

Eu acredito que sim. Quando construímos um personagem a tendência é sempre a de provocar empatia no leitor. E, com isso, atribuímos características da personalidade humana, virtudes ou defeitos, a bichos ou objetos inanimados. A literatura infantil dá ao autor a liberdade para fugir do convencional de trabalhar apenas com personagens humanos. A gente pode dar vida à comidas, objetos, planetas…

Vou contar um caso curioso aqui, porque muitas vezes acontece o contrário: a escrita influencia a minha vida. De vez em quando o que eu escrevo acontece de verdade. Enquanto elaborava a história do cacto com medo de injeção precisei fazer um exame de sangue. Qual não foi minha surpresa ao chegar à recepção do laboratório e ouvir lá da sala de coleta um jovem gritando? Ele não deixava encostarem a agulha da seringa no braço dele de jeito nenhum.

Criança, adolescente ou cacto. Na ficção ou na realidade. Qualquer ser vivo pode ter medo de injeção.

DDH: Ainda sobre essa identificação, o livro tem elementos bem brasileiros, como as características do quintal e das plantas por exemplo. Que importância você vê nisso para os leitores?

Maria Amália: A inspiração veio do quintal da minha casa em Santos, onde eu passava uma boa parte do tempo brincando. Tinha quaresmeira, jasmim-manga, hibisco, pinheiro, uma porção de samambaias, até uma comigo-ninguém-pode que só de ouvir o nome nem queria chegar perto.

A natureza é tão rica de sons, cores, formatos, poesia. Mosquito tem som de violino; as cigarras falam o idioma dos alienígenas; as libélulas têm corpo de helicóptero; as borboletas são gravatas voadoras e as joaninhas, broches com perninhas.

Acho importante a criança conseguir identificar com quem compartilha seu espaço. Ter a consciência de estar inserida em um meio onde cada espécie de planta ou de animal exerce um papel naquele ambiente. Isso amplia o vocabulário, faz nascer a noção de respeito às diferenças e, consequentemente, amplia a visão de mundo.

DDH: Que dica(s) você daria às famílias que vão ler essa história em casa com as crianças?

Maria Amália: A literatura infantil não tem idade. Então, aos adultos que vão ler essa história, dou a seguinte dica: divirtam-se! E para as crianças… divirtam-se mais ainda!

Uma Amizade Assustadora é um canal para a discussão sobre nossos temores. Aos filhos ou aos alunos é sempre interessante perguntar: “do que você tem medo”; “qual atitude diferente você tomaria para ajudar o cacto ou a planta carnívora?”; “se eles não recebessem ajuda, o que teria acontecido?”.

O adulto pode aproveitar a brecha para expor seus medos de infância, mostrar que estamos todos vulneráveis, que medo não é sinônimo de vergonha.

Outra dica é explorar os nomes dos diferentes tipos de cactos, por exemplo. Tem cacto botão, macarrão, almofada de alfaiate, tem até o cacto cadeira de sogra. Que tal fazer uma brincadeira com todos esses cactos interagindo com o personagem do livro? Como cada um se comportaria, quais seriam suas principais características? O mesmo vale para os diferentes tipos de planta carnívora.

Não posso esquecer de sugerir o cultivo de uma mini horta em casa, utilizando materiais recicláveis como suporte. Isso faz com que a criança se responsabilize nos cuidados com a planta. Para começar, que tal aquele famoso experimento do feijão das aulas de Ciências?


Maria Amália Camargo, autora de livros infantis
Maria Amália Camargo

Nasceu em Santos (SP) no início da primavera de 1977. Formada em Letras pela USP é autora de mais de vinte livros infanto-juvenis, além de catálogos de arte-educação e de textos para jornais e revistas. Maria Amália tem medo de lagartixas, de rãs, de pererecas e… bem, de sapos nem tanto, porque podem virar príncipes.

Veja também: Leitura e fantasia na infância – Entrevista com Tino Freitas

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