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A maioria de nós já ouviu diversas vezes, ao longo da vida, que a leitura é essencial para aprendermos sobre o mundo e sobre nós mesmos. E que a literatura infantil tem um papel muito importante, por estimular o contato com histórias e contos de fadas. Entretanto, para irmos além da superfície neste tema, cabe nos perguntarmos: por quê?
O que a literatura infantil traz de oportunidade para as crianças que a torna tão potente? De onde vem o poder das histórias de nos transformar e permitir novas formas de ver o mundo? Por que os livros continuam essenciais em uma realidade cada vez mais digital?
Para buscar respostas a essas questões, conversamos com a escritora Januária Cristina Alves, vencedora de 2 Prêmios Jabuti de Literatura Brasileira.
Seu mais recente lançamento é o livro personalizado Agora Eu Sou, coeditado em parceria pela Dentro da História e a FTD Educação. Na história, a criança visita o camarim de um teatro e vive diversos papéis através de sua imaginação. Entre uma aventura e outra, o protagonista se depara com atividades interativas, que potencializam a experiência literária.
Veja o que a autora compartilhou sobre o novo livro, o poder das histórias e sua visão sobre literatura infantil:
Dentro da História: Além de escritora, você é jornalista e mestre em Comunicação. Como se deu a sua trajetória até a literatura infantil?
Januária Cristina Alves: Minha relação com os livros e a literatura vem da mais tenra infância. Sou filha de uma família que adorava contar histórias, meus pais e avós são pernambucanos, cresci ouvindo as histórias de tradição oral, cordéis, contos populares. Quando aprendi a ler, fui lendo tudo o que aparecia: livros de ficção, informativos, enciclopédias, gibis, cordéis…
Aos 12 anos ajudava na biblioteca do meu Colégio e aí era uma festa, porque cada dia eu levava pra casa um livro diferente. Daí pra gostar de escrever também foi um pulo: tinha sempre muitas ideias, e aí meus pais e professores me incentivaram a escrevê-las. Aos 11 anos mandei uma história para o Suplemento Infantil do Diário de Pernambuco, o Júnior. E quando ela foi publicada, decidi que era isso que eu faria o resto da vida: contar histórias.
DDH: Você tem experiência com projetos desenvolvidos junto a escolas. Neste momento de isolamento social, de que forma os livros infantis podem estimular o aprendizado das crianças em casa?
Januária: Os livros são grandes companheiros, seja em que situação for. São portos seguros, sempre nos ensinam e nos mostram como resolver os problemas que a vida nos apresenta. Em um ambiente seguro, que são as suas páginas, podemos viver muitas situações, muitas aventuras, experimentar sensações e sentimentos que, se vivenciados “aqui fora”, talvez fossem por demais desafiadores ou perigosos.
Sendo assim, quando os pais lerem com os filhos ou lhes oferecerem livros, com certeza será uma grande oportunidade para que as crianças entrem em contato com sentimentos que nos aparecem nessa pandemia: medo, ansiedade, solidão, sensação de desamparo. Esses livros serão como um farol para eles, iluminando essas sombras que estão ao nosso redor, trazendo esperanças de um final feliz, ou mesmo, de que tudo passará e se transformará.
DDH: No livro “Agora eu sou…”, as crianças descobrem a magia do Teatro para se transformarem em astronautas, palhaços, bombeiros e muitos outros personagens. Você diria que a literatura também tem esse mesmo poder?
Januária: Sim, certamente. A magia do teatro, como a do cinema, dos livros, vem das histórias. Contar histórias é algo intrínseco ao seres humanos, precisamos das histórias para viver, para lidarmos com os nossos problemas, para expressarmos nossos sentimentos e emoções. Toda as vezes em que ouvimos, vemos, presenciamos, contamos histórias, estamos exercitando a nossa empatia, a nossa capacidade de entender o outro, e assim, compreendemos melhor o mundo em que vivemos.
DDH: Hoje as crianças estão expostas a inúmeras formas de narrativas. Desenhos animados, séries, vídeos, podcasts… Em meio a tantas opções, quais os benefícios do contato com histórias em livros físicos como esse?
Januária: O contato da criança com o livro físico é insubstituível. O livro tem cheiro, textura, a gente pode começar pelo meio, pelo fim, pular páginas, ler inteiro, enfim, são muitas as possibilidades. É um objeto que convida à quietude, a um lugar tranquilo dentro de nós mesmos. As histórias contidas nos meios eletrônicos estão cercadas de luzes, sons, movimentos, há muitos estímulos, que muitas vezes, no distraem do enredo e do foco da história. As narrativas contadas nos livros físicos podem ser “digeridas” no tempo de cada um, e ao virar de cada página, o leitor pode repensar e reinventar a história. Acho que é muito importante que as crianças tenham acesso à diferentes narrativas, para que possam construir um repertório leitor rico e diversificado.
DDH: Por se tratar de uma história personalizada, que diferenças você enxerga na experiência de leitura das crianças?
Januária: Todo leitor sonha em, um dia, virar personagem. A experiência de “se ver” e sentir-se literalmente “dentro da história” é algo extremamente saudável para a educação literária das crianças. Além de terem um contato mais próximo com o mecanismo de criação das narrativas, a criança pode exercitar a sua criatividade, se divertir e especialmente, vivenciar o poder de fazer escolhas, percebendo como são elas que determinam os rumos da nossa vida, ou aquilo que chamamos de nosso destino.
DDH: Que dicas você daria às famílias que vão ler essa história em casa com as crianças?
Januária: Que sentem junto com as crianças, que leiam as diferentes opções da história conversando com elas, mostrando os diferentes caminhos que ela oferece, dando bastante espaço para que as crianças leiam o texto e as imagens, do “seu jeito”, ou seja, respeitando as hipóteses que elas têm a respeito do universo narrativo daquela história. Ao final, os pais também podem colocar suas alternativas para a história e até inventar outras, convidando as crianças a fazerem o mesmo. Mas o importante mesmo é que a leitura desse livro seja prazerosa para todos.
Januária Cristina Alves
Mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, Jornalista, Educomunicadora, Infoeducadora, Storyteller, Roteirista de vídeos para histórias em quadrinhos e dramatizadas. Escritora, com mais de 52 livros publicados, destinados, em sua maioria, para o público infantojuvenil e educadores. Agraciada com o Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira por duas vezes, Prêmio Abril de Jornalismo e Prêmio Wladimir Herzog de Direitos Humanos.
Veja também: A importância da leitura em voz alta para as crianças